12.6.11

O Pêndulo da Morte


As cenas eram confusas. O som incongruente. As galinhas-de-angola, em bando (cinco ou seis talvez) atentamente o observavam. Aceleravam as patas aqui, corriam para ali e céleres cocoricavam em linguajar próprio. Pareciam agitadas (temiam a vidência do porvir?).

Chico Manuel há dias ensaiava a limpeza do pasto. E a foice para o labor? Estava sem corte. Limá-la? Sim. Ao cabo de duas semanas, é claro. A grande apatia demonstrada por ele era compartilhada pela mulher, a decadente “Maria do Chico”.

Neste dia, a taboca era um caldeirão só. Moscas fervilhavam num pedaço delgado de carne. Zumbiam ininterruptamente! Saíram de onde tantos insetos? O pequeno pedaço de carne virou um calhamaço de pontos verdes e varejeiras.

A mulher, capenga de uma perna, apoiada na meia porta, cabelos escassos, catarata em um dos olhos e dois guerreiros dentes naquilo que um dia foram duas arcadas potentes. Tentava mascar uma palha de milho (hábito antigo para passar o tempo). Na velha e escorreita boca, uma porção de catarro dança para lá e para cá. Catarro e palha, palha e catarro...

O marido a contempla.

O velho Totó, acomodado próximo ao fogão de lenha, três patas apenas tinha. A outra? Perdida numa boca de piranha no Rio Piramboia. O coto rabo abanava num movimento inútil. As moscas também lhe cobriam o rosto. Viu Chico Manuel sair, mas permaneceu na inércia. Acompanhar o dono era demandar energia. E na casa onde tudo faltava, abrir mão do repouso enérgico era um privilégio não desejado.

No ombro direito, o cabo da foice dançava amarelecido em Chico. A caminhada era breve mas lhe permitiu a parada para coçar a testa, atritada pela palha do chapéu.

No passivo passo, ainda espantou as angolas que ariscas o circundavam. Bichos enjoados. Saíssem de perto dele, não o importunassem.

Levantou a foice na diagonal direita e a desceu. Zap!, à esquerda. Zap!, à direita.

Sentiu que uma pequena coisa arredondada lhe tocara a perna. Seria apenas uma melancia-de-macaco... Sua precária visão não o permitia discernir o que de muito perto via. Tudo lhe parecia embassado. Mesmo assim, eliminou a moita de mato.

No caminho de volta, pensou na pinguinha que tomaria. Sentiu-se bem. Fizera a sua tarefa do dia.

Ainda transpassava a cerca bamba quando ouviu os alvoroçados sons das galinhas-de-angola.

Na ex-moita, Chico Manuel não viu: haviam se escondido algumas sete angolinhas. Todas mortas e decepadas, todas num amarelo-vermelho, num acinzentado-vermelho sendo veladas tristemente pelas mais velhas angolas.