1.4.12

O menino que não queria pescar (a narrativa que gerou o livro)

Ele ainda dormia o seu vespertino sono quando o pai o acordou.
Costumeiramente, seu Albino convidava o filho para pescar. Até aquele instante, a criança jamais quisera ir. No entanto, após reiterada insistência dos amigos, o velho pai resolveu que daquele dia não passava: o menino iria aprender a pescar hoje!
Ainda meio sonolento, a criança foi conduzida até a parte atrás do tanque da cozinha, onde havia uma terra permanente irrigada pela água que escorria da pia. A água suja de sabão, com seus pequenos grãos de arroz ainda mais dilatados e algumas peles de feijão... Essa sujeira não incomodava as minhocas que por ali faziam morada.
Com um enxadão, o pai subia e descia (como um pêndulo da morte) o objeto a fim de retirar da terra alguns futuros petiscos para o peixe. Uma das minhocas foi partida ao meio, deixando escorrer um líquido meio amarelo-avermelhado. Ao olhar para a loca então feita, o menino ainda viu o anelídeo se contorcendo todo após a fragmentação. Subitamente, o menino tremeu e soltou um grito de espanto. O pai se assustou e nem teve tempo de brigar com a criança, visto que ela já percorria o caminho de volta à precária casa em que morava com os pais.
Chegando à velha choça, o Ditinho não conteve as lágrimas e a mãe logo notou que algo errado havia. Prontamente, ofereceu colo ao garoto. Este se contorcia, remoendo o minhococídio que acabara de vislumbrar.
Não demorou muito, o pai chegou bravio e altivo. Gritava e berrava. Nenhum animal da pequena propriedade ousava ter sons mais altos que o Seu Albino. Ele gritava e todos obedeciam.
- É hoje que esse menino toma tipo de homem!
Protegido pela mãe, Ditinho parecia confiar que esta intercedesse por ele. Porém, o pai fora mais ágil e já o batia com um cinto de couro cru. Não adiantava chorar, os estalos do cinto pareciam se multiplicar a cada grito do menino. Uma cena dantesca se fez e até Dona Vicentina, que tentara impedir o marido de maltratar o filho, acabou sendo atingida pela fúria do marido (este lhe deu um empurrão, o que a fez cair em cima do velho fogão a lenha).
Passada a ira, acocorou-se sobre os calcanhares e cortou o seu costumeiro fumo.
- Menino do diabo! Onde já se viu... Não criei filho homem para ser mocinha não! Vai pescar sim, nem que seja a última coisa que eu faça na vida. Diacho...
Ouvindo isso, o menino viu as vistas escurecerem e tombou entre rodopios mentais.

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